Bom dia tristeza
Puxou de um lencinho que trazia num saco da FNAC, enxugou os olhos, secou o nariz e voltou a guardá-lo. Não tinha aspecto de quem alguma vez tivesse entrado na FNAC. Aquele saco, onde levava as coisinhas, condizia com ela tal como um porta-fatos Chanel com um vagabundo. De meia idade, tinha o aspecto humilde de quem nem tão pouco lê a Maria. As olheiras avermelhadas deixavam perceber que aquelas lágrimas não eram as primeiras do dia. Tive pena! Até tinha saído de casa feliz por ser uma sexta-feira de sol e calor e logo ali, ao virar da esquina, ainda com os projectos para o fim-de-semana a ganharem forma, cruzo-me com uma outra realidade. Comecei a imaginar se chorava por ela ou por outra pessoa, se a causa seria doença, morte, prisão. A avaliar pela expressão, de felicidade, garantidamente, não era.
Não resisto à tristeza dos outros ainda que sentida por anónimos que se cruzam comigo na rua. Não sou de chorar mas quando acontece tanto me faz onde estou. Se é na rua, é na rua, sem embaraço, sem vergonha que os outros percebam que estou triste.
Fiquei a pensar naquelas lágrimas e nas vezes que chorei. Realizei que nunca chorei de felicidade – pelo menos que me lembre –, poucas de profunda tristeza – porque nesses momentos as lágrimas raramente me saem –, algumas de raiva e quase sempre por uma inexplicável mistura de emoções, depoletadas por situações de ficção que devem remexer o meu coração com tal violência que a água sai imparável pelos olhos.
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