Eu, os bichos e os animais
Adoro animais, odeio bichos!
Sou capaz da maior paixão por um animal e o maior ódio por um bicho.
É claro que há muitos animais e poucos bichos. Vale-me isso!
Cães, gatos, ursos, porquinhos-da-índia e bichos-de-conta são animais. Mosquitos que zumbem nos ouvidos, tubarões, aranhas gordas e bichos-prata (uns cinzentos que parecem camarões pequeninos) são bichos horríveis destinatários da minha raiva mais profunda.
Sobre tubarões não vale a pena falar porque deve ser trauma de uma vida anterior, coisa inexplicável, que me faz não ter qualquer desejo de tomar banhos e nadar naquelas águas quentinhas e transparentes das praias paradisíacas que atraem qualquer mortal, entre eles os ditos bichos. Não me ralo nada com a extinção da espécie e brancos, azuis ou martelos, deviam mas era morrer todos. As aranhas também podem ir com eles.
Uma destas noites não dormi quase nada à conta de um desses mosquitos zumbidores que me sugou uma boa litrada de sangue e me ia deixando de tímpano furado e prestes a sair de madrugada para uma consulta de urgência do Júlio de Matos, com o barulho que fazia nas tangentes ao meu ouvido. O raio do bicho devia ser camaleónico porque acendia a luz, de arma em punho para o matar com requinte, e nunca o consegui ver. Na falta de dum-dum, restou-me acender uma luz de outra divisão da casa para que, atraído pelo brilho, me deixasse dormir uma meia hora antes de tocar o despertador. Fiquei possuída de uma tal raiva, só equiparável à que se apodera de mim quando me cruzo com um desses tais bichos-prata, que dizem que roem papel, mas eu acho é que dão cabo do meu sistema nervoso. Mato-os com tamanho gosto e malvadez que nessas alturas me sinto confrontada com o pior que há em mim.
Tudo isto podia muito bem ter sido resolvido com o Dilúvio, não fosse o Noé ter um conceito diferente do meu no que toca à distinção entre bichos e animais.
Há também bichos com corpo de gente mas isso será desenvolvido noutra ocasião.
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